
Maria Eduarda de Carvalho (de “Atrás do Mundo”) cumpre belamente o desafio do monólogo, envolvendo a plateia no espetáculo “Meninas e Meninos”, escrito pelo dramaturgo inglês Dennis Kelly e dirigido por aqui por Kiko Mascarenhas (de “O Jornal – The Rolling Stone”) e Daniel Chagas (de “Re-Trato”). É difícil falar qualquer informação sobre a peça sem dar spoiler, e o efeito surpresa é ponto importante nesta dramaturgia. Mas, em síntese, Maria Eduarda dá vida a uma mulher que passou por um trauma em sua vida e está prestes a compartilhar isso com o público.

Quando os espectadores entram no teatro, a atriz já está no espaço cênico – um corredor com duas fileiras de cadeiras de cada lado. O público, deste modo, tanto a vê quanto se vê. Neste corredor, a cenografia de Mauro Vicente Ferreira e a direção de arte de Luciene Nicolino se materializam em dezenas de brinquedos, pelúcias e recordações espalhados que a personagem busca tirar do chão e encaixotar. Quando começa a falar, essa mulher logo revela que é mãe e que tem uma história (de amor, aparentemente) para contar. Onde isso vai dar, não há nenhum indicativo. Basta dizer que ela começa muito animada e risonha e, no fim, já sente culpa se ri.
O texto de Dennis Kelly entrelaça dois períodos de tempo: o presente, em que essa mulher compartilha a história de sua vida com a plateia, e o passado em flashback, em que ela aparece falando com seus dois filhos – crianças que em geral a tiravam do sério. A direção de Kiko opta por não demarcar nenhuma transição entre um e outro tempo, emendando-os instantaneamente, e a ausência de respiro tanto reforça o contraste de emoções da personagem quanto dilui a potência da progressão dos fatos. Perde-se um pouco. A iluminação de Vilmar Olos, que poderia simbolizar essa diferença de cenas, só é notável na reta final, para a criação do clima dramático da grande revelação – e funciona.
[ESSE PARÁGRAFO CONTÉM SPOILER] A peça fala de temas caros como inveja, machismo, disputa de egos, realidade da maternidade e, sobretudo, familicídio – assassinato entre familiares. Atriz de quem nunca vi performances ruins, Maria Eduarda se apropria da história e prende a plateia. É divertida e comovente quando tem que ser. A reta final, em especial, é bastante densa e desgastante emocionalmente, tanto para ela quanto para a plateia. O figurino de Tereza Nabuco compõe sem indicativos de quem é essa personagem, então fica tudo nas mãos da atriz. [/ESSE PARÁGRAFO CONTÉM SPOILER]
“Meninas e Meninos” põe luz em um assunto para o qual, em geral, a sociedade não quer olhar. Dói, mas é preciso. Maria Eduarda de Carvalho torna mais palatável o diálogo. Vai por mim.
Por Leonardo Torres
Mestre em Artes da Cena e especialista em Jornalismo Cultural.

Ficha técnica
TEXTO Dennis Kelly
TRADUÇÃO e VERSÃO Diego Teza
ATUAÇÃO Maria Eduarda de Carvalho
DIREÇÃO Kiko Mascarenhas e Daniel Chagas
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO Radamés Bruno
PRODUÇÃO EXECUTIVA Viviane Procópio
ASSISTÊNCIA DE PRODUÇÃO Thais Pinheiro
EQUIPE DE PRODUÇÃO Jandy Vieira e Igor Dib
REALIZAÇÃO BR PRODUTORA e KM ProCult
ILUMINAÇÃO/AMBIENTAÇÃO Vilmar Olos
TRILHA SONORA Marcelo H
OPERAÇÃO DE SOM/LUZ Priscila Jacintho
DIREÇÃO DE ARTE Luciene Nicolino
CENOGRAFIA Mauro Vicente Ferreira
FIGURINO Tereza Nabuco
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO Dobbs Scarpa
FOTOS Jorge Bispo
MIDIA DIGITAL URGH
PROGRAMAÇÃO VISUAL Equipe Novo Traço
_____SERVIÇO: ter, qua e qui, 21h. R$ 50. Classificação: 14 anos. Até 25 de julho. Teatro Poeirinha – Rua São João Batista, 104 – Botafogo. Tel: 2537-8053.