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Teatro em Cena

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Leonardo Torres é jornalista cultural e mestre em Artes da Cena. Está de olho na cena teatral carioca desde 2014.

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Entrevista: Nicette Bruno compartilha suas Perdas e Ganhos

07/01/2015 Leonardo Torres Entrevista

Sua vida é marcada pelo teatro. Note que se diz vida, e não carreira – embora essa também. Ela estreou como atriz no teatro, conheceu o amor da sua vida no teatro, se casou no teatro, viu os filhos iniciarem suas trajetórias profissionais no teatro e se despediu do marido (após 60 anos de casamento) em um velório no Teatro Municipal de São Paulo. Ela é Nicette Bruno, e faz seu retorno aos palcos com o monólogo “Perdas e Ganhos”, que estreia nesta semana no Teatro do Leblon – mais precisamente no dia 9, aniversário do marido. “Estou homenageando o Paulo [Goulart, falecido em março de 2014] nesse momento de superação da dor no teatro”, ela diz, em entrevista ao Teatro em Cena. “Tem um momento da peça em que eu digo, e ali sou eu mesma que estou dizendo: ‘a melhor maneira de homenagear é viver da maneira que ele gostaria que eu vivesse’. É isso que estou fazendo”.

"Perdas e Ganhos" estreia no Rio após apresentações em outras capitais no fim de 2014 (Foto: Lenise Pinheiro / Divulgação)

“Perdas e Ganhos” estreia no Rio após apresentações em outras capitais no fim de 2014 (Foto: Lenise Pinheiro / Divulgação)

O ator foi um dos principais incentivadores do projeto, que chegou à família há quase cinco anos. A filha Beth Goulart foi procurada pela agente da escritora Lya Luft, com o convite para fazer a adaptação do livro homônimo para os palcos e assumir a direção. “Ela leu o primeiro tratamento para nós, eu e o Paulo, e gostamos muito. Ele nos estimulou a fazer, mas ficou doente [teve câncer renal] e não deu mais”. O projeto só foi retomado seis meses após a morte do marido, quando a agente pressionou, dizendo que havia outros interessados. O início do processo, claro, foi doloroso. “Foi um ano muito difícil. Até encontrar um ponto de equilíbrio, a Beth me ajudou muito. O próprio texto me ajudou muito”. Como um desses acasos da vida, a obra da Lya Luft fala justamente da capacidade de seguir em frente, encontrando força dentro de si para superar momentos difíceis.

Para Nicette, foi um encontro perfeito. O texto traz trechos como “perder o amor para a morte é a perda das perdas”. Impossível algo mais simbólico. O trabalho incitou sua reflexão sobre a perda da vida (“algo sobre o qual sempre tive entendimento”) e incentivou a superação do luto. Serena, ela encara a morte pacificamente, como o espírito evoluído que busca ser no dia-a-dia. Diz que a vida “não começa no berço e não termina no túmulo”, porque a essência da pessoa continua. Mas, claro, não nega a dor. “Uma coisa é a racionalidade dos fatos e outra são os sentimentos. O sofrimento existe. A dor também é importante, porque também é um aprendizado”, discursa. Em seguida, admite, com a voz meio embargada: “Sinto falta dele em todos os momentos. Acordo e durmo com falta dele. Esse vazio, eu acho que vai me acompanhar a vida inteira”.

Outro elemento expressivo é que o espetáculo é o primeiro monólogo da carreira da Nicette, justamente depois de ficar viúva. Sua experiência mais próxima disso foi em “O Homem Inesperado” (2008), no qual, embora estivesse com o marido em cena, os dois pouco interagiam e faziam verdadeiros monólogos. O texto era basicamente sofre as reflexões pessoais de cada um em uma viagem de trem. Mas sozinha, de fato, e sem Paulo, ela só está agora. É ela e a plateia. “Está sendo uma experiência muito boa, porque estou sempre renovando conhecimento”.

Paulo Goulart e Nicette Bruno em "O Homem Inesperado" no Festival de Teatro de Curitiba em 2008 (Foto: Reprodução)

Paulo Goulart e Nicette Bruno em “O Homem Inesperado” no Festival de Teatro de Curitiba em 2008 (Foto: Reprodução)

“Perdas e Ganhos” está longe de ser uma egotrip. Nicette está no palco, exposta, dividindo um momento seu, de conhecimento público, mas a literatura ainda é de Lya Luft. É um texto de fácil identificação com o público. Quem não tem perdas e ganhos ao longo da vida? “É muito fácil ficar envolvida pelas perdas, que todo mundo tem, e não se lembrar dos ganhos que existem na vida, até através de uma perda, porque é também um aprendizado”. Nascimento, educação, valores familiares, relações afetivas, amadurecimento, velhice, solidão, autoestima e morte são alguns dos temas apresentados, com o intuito de mostrar a diferença entre viver e sobreviver. Beth Goulart ainda se apropriou de três personagens de outro livro da escritora, “O Silêncio dos Amantes”, que aparecem igualmente interpretados por Nicette.

Um momento especial do monólogo é quando a atriz aparece tocando piano em uma projeção pré-gravada. Ela apresenta uma composição de sua autoria, criada especialmente para o marido. Tocá-la na peça foi um pedido dele. “Ele falou para a Beth: ‘filha, faz uma coisa: deixa sua mãe tocar piano’. Ele adorava quando eu tocava! E eu não toco mais há muito tempo, meu Deus do céu!”, ri a atriz de 82 anos, mãe de outros três artistas, e já bisavó. “Eu toco no filme, porque, principalmente no começo dos ensaios, estava muito abalada e achava que não ia conseguir tocar ao vivo”.

O reencontro com o público, além de uma homenagem ao marido, pode ser encarado também como um agradecimento. Nicette Bruno diz que recebeu muito apoio no sepultamento do ator e pôde comprovar que “ele colheu tudo que plantou”. “Ele sempre foi uma pessoa muito generosa, de muito bom humor, muito leal. Um homem muito especial. Naquele momento, pude ver que existia uma reposta de um número muito grande de pessoas e isso me deu muito conforto”. Com a estreia do espetáculo, ela remexe nessas dores tanto no palco, com o texto que cai com uma luva na sua vida, tanto em cada entrevista que dá. É difícil ter que falar do marido em todo compromisso de divulgação da peça? Ela tem a resposta na ponta da língua. “Difícil é viver sem ele, tudo o mais é consequência. Como estou compartilhando esse momento com o público, eu tenho que falar, não tenho como não falar. Tenho essa consciência”.

(Foto: Lenise Pinheiro / Divulgação)

(Foto: Lenise Pinheiro / Divulgação)

SER HUMANO
“Eu acho que é um ser em constante aprendizado. Feliz daquele que entende isso. Porque o ser humano tem todas as possibilidades interiores e nem sempre as aproveita. Às vezes dá enfoque em uma determinada emoção ou sentimento em lugar de outro. Mas eu acho que, por mais difícil que seja encarar isso, ele é um elemento de evolução. Nós estamos passando por um momento terrível, difícil, no qual a violência e o desamor imperam, mas existe um outro lado, que não é muito explorado, que é o daqueles que se dispõe a ampliar sua condição e sua possibilidade de viver. Eu acho que vai chegar um momento em que as coisas vão ter que ser modificadas, senão acaba”.

INFÂNCIA
“Ah… (suspiro nostálgico) Vou repetir o que a Lya diz e que bate direitinho com o que eu imagino: ‘é o chão sobre o qual caminharemos o resto de nossas vidas’”.

VELHICE
“Faz despertar tudo de bom que você tem no seu interior. É a possibilidade de você vivenciar a sabedoria e ter consciência que o desgaste físico será aprimorado pelo brilho que vem de dentro. São as essências verdadeiras que vão fluindo. É estender o olhar para o mundo. Eu sei que não é fácil você encontrar as pessoas que enxerguem dessa forma. Que pena, porque se enxergassem assim, não haveria tanto sofrimento”.

FELICIDADE
“Ela está ao alcance de todos. É uma coisa simples e as pessoas complicam tanto. Você ter realizações positivas na sua vida é um momento de felicidade. Você entender o seu ego, o seu eu, e procurar aprimorar na caminhada da sua vida é um momento de felicidade. O encontro é um momento de felicidade. Ser mãe, no meu caso, é um momento de felicidade. Tem tantos momentos de felicidade e só são pensados nos momentos de felicidade”.

AMIZADE
“É fantástica, é a mola, é a força que move as relações, né? Amizade é o fundamento básico da relação”.

AMOR
“É o sentimento maior. Amor, para mim, é o que se fala e o que se diz de Deus”.

Sobre o trabalho com filha Beth Goulart, que a dirige no espetáculo novo, Nicette diz: "experiência muito boa e muito rica para nós" (Foto: Nana Moraes)

Sobre o trabalho com filha Beth Goulart, que a dirige no espetáculo novo, Nicette diz: “experiência muito boa e muito rica para nós” (Foto: Nana Moraes)

FAMÍLIA
“É um reflexo desse amor, dessa amizade, dessa lealdade, dessa compreensão, desse aprendizado. Isso é que é família. A convivência com as diferenças, porque cada um de nós é diferente. Mas ter o sentido de amor verdadeiro para construir esse núcleo”.

AUTOESTIMA
“É a importância de compreender o que há de errado em nós. A partir do momento em que enxergo os meus erros, eu procuro consertá-los. De acordo com o resultado disso, eu vou gostando, eu vou respeitando a mim mesma. Acho que autoestima reflete todo um processo de revisão interior”.

SOLIDÃO
“Aparentemente, é muito difícil. Para mim, é a coisa mais difícil. Ao mesmo tempo, se você entender que, através do seu pensamento, pode ter um preenchimento de lembranças, emoções e consciência da vida, isso é amenizado”.

MORTE
“Para mim, não existe. É vida. Não começa no berço e não termina no túmulo. É a sequência natural da vida. Eu acho que todo esse processo de aprendizado da própria vida é que vai fortalecer essa energia para, depois da morte do corpo físico, você estar ampliando os seus conhecimentos. Eu acredito nisso”.

TRABALHO
“É fundamental, né? É o reforço da vida. Meu Deus do céu, por isso mesmo que eu quis logo começar a trabalhar. O trabalho preenche o nosso vazio interior, o nosso vazio de conhecimento. É através do trabalho que conquistamos tudo isso. O trabalho é a mola fundamental de superação”.

TEATRO
“Ah… é a minha paixão, a minha grande paixão! O teatro sempre esteve ligado a mim, em todos os grandes momentos da minha vida. Eu acho que é uma arte viva e por isso não morrerá jamais. Aquele momento de interligação palco-plateia é fundamental para o teu organismo, para a tua vivência, para a tua superação e para a tua formação como ser. Ele transmite, para quem assiste, aquele algo a mais, aquilo que faz você enxergar uma determinada coisa que te toca emocionalmente e nunca mais esquece. Se você assiste a um espetáculo que te diz alguma coisa de fato, você nunca vai esquecer. Adoro todas as outras formas de arte e de todas as facetas do exercício de atriz, mas, no teatro… Em primeiro lugar, na preparação, é o nosso tablado de exercício e de suporte para realização. Depois, a transmissão e a relação com a plateia é uma coisa extraordinária e única, porque é diferente a cada noite. O teatro complementa e está de braços abertos a todas as outras artes. É ali que se completam todos os exercícios artísticos”.

PERDAS E GANHOS
“Nenhum de nós está aqui para viver em um mar de rosas. As perdas acontecem: de um emprego, de um amigo, da juventude, as perdas normais da vida. A cada transição de vida, existem perdas, e existem ganhos. Valorizo muito os ganhos e respeito as perdas para que eu possa enxergar ali uma forma de ganhar – em experiência, em vivência, em sabedoria. É isso que a gente acumulou quando chega a uma certa idade, para viver em tranquilidade”.

(Foto: Nana Moraes)

(Foto: Nana Moraes)

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SERVIÇO: qui, 18h; sex e sáb, 21h; dom, 20h. R$ 70 (qui e sex), R$ 80 (sáb e dom). 60 min. Classificação: 12 anos. Até 29 de março. Teatro do Leblon – Sala Fernanda Montenegro – Rua Conde de Bernadotte, 26 – Leblon. Tel: 2529-7700.

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