Ator também assume a produção do musical junto com os diretores

(Foto: Brunno Rangel)
Felipe de Carolis (de “Incêndios” e “Céus”) foi anunciado para o papel-título da nova montagem brasileira do musical “Pippin”. Os ensaios já começaram e consomem dez horas diárias do elenco. Enquanto o Teatro em Cena tentava encontrar uma brecha na agenda do ator para realizar uma entrevista, ele acabou dando um furo para o site: “ser ator e produtor de uma equipe de 45 pessoas é mais bizarro do que eu imaginava”. Isso mesmo: ele entrou como sócio de Charles Möeller e Claudio Botelho nesta produção. Ou seja, Felipe é muito mais do que o Pippin. É também o responsável por levantar o espetáculo. Isso é sintomático do controle que tem assumido em sua carreira, e também é algo inédito para os diretores, que são referência no teatro musical brasileiro: eles nunca dividiram a produção de um espetáculo com seu ator-protagonista. Felipe conseguiu.
Com 29 anos de idade, o carioca estreou no teatro musical sob os cuidados da dupla em 2009, com “O Despertar da Primavera”. Com eles, fez também “Beatles Num Céu de Diamantes” (2011) e “Rocky Horror Show” (2016), que ficou só em São Paulo. Nos últimos anos, no entanto, Felipe de Carolis criou asas e alçou voo rumo à independência artística, montando no Brasil dois textos do dramaturgo libanês canadense Wajdi Mouawad – “Incêndios” (2013), que recebeu 20 prêmios, e “Céus” (2016). O terceiro, “Sede”, está a caminho. A autoria virou uma marca na carreira do ator, e foi condição necessária para ele encabeçar o elenco de “Pippin”. O convite foi feito quando Felipe de Carolis estava em Nova York, em meio as negociações para aquisição dos direitos de mais um texto. Encontrava-se um pouco chateado, porque a peça que ele havia descoberto tinha chegado à Broadway, estourado, e agora ele teria que esperar 18 meses para definirem as condições da venda dos direitos. Conversava sobre isso com Claudio Botelho por Skype, quando ouviu:
– “Antes da sua peça nova, você aceitaria ser o nosso Pippin?” – lembra o ator – Imediatamente, eu respondi “sim, claro! Mas eu só estreio no Rio de Janeiro, como sócio”. Eu me sinto no dever de estrear no Rio, porque muitos produtores estão abandonando a cidade. “Agora sou eu que pergunto: vocês topam minhas condições?”. Eles toparam. Aí, quando eu sou sócio de um projeto, viro um leão.
Para se dedicar ao espetáculo, declinou o convite para fazer uma novela e se mudou para um condomínio ao lado da Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, onde tem acontecido os ensaios. No Instagram Stories, ele postou recentemente que o local tem sido sua moradia. Diz que são dez horas de disponibilidade por dia, mas basicamente 16 horas em função do projeto. Felipe desliga-se de todo o resto quando assume uma produção. “Não consigo fingir que sou ‘só’ ator. Na hora do lanche, fico prestando atenção se todo mundo está satisfeito com as comidinhas, se o ar está funcionando bem, se as salas estão higienizadas, sem poeira. Eu dou tchau para o mundo real, e aquele passa a ser o meu”, conta ao Teatro em Cena. O processo inteiro durará sete semanas, até a estreia em 2 de agosto, no reformado Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea.
Vencedor de cinco Tony Awards em sua montagem original na Broadway, em 1972, “Pippin” foi resultado da união de dois grandes nomes: Stephan Schwartz (letra e música) e Bob Fosse (diretor e coreógrafo). A história é contada por uma trupe de artistas liderada por MC, mestre de cerimônia, e acompanha o filho do rei francês Carlos Magno, o príncipe Pippin, um jovem em busca do verdadeiro sentido da vida. A primeira montagem na Broadway ficou cinco anos em cartaz. A segunda, estreada em 2013, cumpriu mais dois anos de temporada (com mais dois Tonys). Felipe de Carolis, contudo, não é grande fã desse “revival”, dirigido por Diane Paulus, premiada por esse trabalho.
– Eu sempre quis fazer “Pippin”, mas o Pippin do texto, esse mix de Hamlet com a história real do Carlos Magno, e não as encenações que eu já havia assistido. Apesar de admirar muito a Diane Paulus, a direção do protagonista do “Pippin” na releitura dela vai de encontro da minha. É quase como assistir um Jasão frágil ou uma Medeia melodramática. Eu entendi a proposta, mas não via o personagem, nem consegui encaixar a linguagem. Me parecia desfilada. Era uma montagem plasticamente linda, mas o protagonista foi levado para a borda da piscina e não ao mergulho. Assim que os meninos me convidaram, a conversa seguiu nestes tópicos. – conta.
Essa é uma questão para Felipe de Carolis. Por mais que entre em montagens de franquias da Broadway, ele precisa ter certeza de sua liberdade de criação como ator. A ideia de meramente reproduzir o que foi feito lá fora não o interessa. Em “Pippin”, como produtor, isso também é válido para todos os outros aspectos do espetáculo. “A não ser a parte musical, em que respeitamos tudo o que Stephen Schwartz escreveu, este Pippin é nosso”, avisa, “não espere cópia de n-a-d-a. Não existe a possibilidade de eu entrar em um trabalho em que não me arrisque”. Desde que assumiu o projeto em sua vida, fez questão de não ver o que outros atores fizeram nesse personagem – nem mesmo Marco Nanini na primeira montagem brasileira, datada de 1974. Não quer ser contaminado pelas referências. “Eu admiro o Nanini em um lugar inatingível, de ídolo mesmo. Vou torcer muito para que ele goste do meu trabalho. Não tenho pretensão de tentar fazer o que ele fez, porque ele é ele”. Sua atuação, portanto, está sendo construída do zero. Charles Möeller ministrou uma semana de workshop para o elenco: os estudos são o ponto de partida da construção do personagem.

Felipe em ensaio para revista WOW (Foto: Brunno Rangel)
Além do mais, entre a estreia em 1972 e a nova versão brasileira, passaram-se 46 anos. O mundo é outro, e o espectador também. O ator acredita que a montagem ganhará o paralelismo com a política atual e a falsa felicidade das redes sociais. “Sou pesquisador incansável, e minha proposta de vida em carreira é colaborar para aquela história ser transcrita para o público de maneira diferente, sempre pensando no melhor”, pontua o artista, que dividirá cena com Totia Meireles (de “Cinderella”), a MC; Adriana Garambone (de “Os Saltimbancos Trapalhões – O Musical”), a Fastrada; Jonas Bloch (de “O Delírio do Verbo”), o Carlos Magno; e Nicette Bruno (de “O Que Terá Acontecido a Baby Jane?”), a Berthe; entre outros.
– Essa é sim a peça mais energética de Stephen Schwartz, em que o protagonista tem mais números individuais. Se você reparar em “Godspell” ou “Wicked”, os protagonistas tem um ou dois solos e mais um ou dois duetos. Em “Pippin”, este número passa para seis, oito, dez. Mas tem uma marca do Schwartz nesta peça que é o que mais me encanta: é uma peça de grupo. Eu sou só o personagem título. A história é nossa. E essa é a minha onda. As peças do Schwartz que não são trabalhadas como grupo não dão certo. Isso é batata. Somos intrinsecamente dependentes um do outro lá dentro. Se eu não contar muito bem a história que a Totia está narrando, eu atrapalho o trabalho dela. Servir aos meus colegas é das coisas que mais me movem. – conta.

Com Charles Möeller, em 2013 (Foto: Miguel Pinto Guimarães)
Além da quantidade de músicas, “Pippin” também exige dos atores um grande empenho nas coreografias – uma marca deixada por Bob Fosse. Felipe tem andado com relaxantes musculares na mochila. O coreógrafo da montagem, Alonso Barros, é exigente e trabalha a individualidade de cada personagem dentro de cada coreografia, mesmo que os passos sejam iguais para todos. “Ele se preocupa com cada um. É um amor de pessoa, mas pode ser um carrasco quando alguém é preguiçoso”, confidencia, “Alonso é diretor, além de coreógrafo. Isso muda tudo”. Com Möeller e Botelho, a relação antiga é de muito respeito, admiração, gratidão e intimidade. Nesta nova fase, como produtor, Felipe diz que não tem regalias nem vantagens. “Sou o primeiro a chegar e o último a sair. Sou o menos paparicado. Mesmo sendo sócio, recebi o texto junto com todo mundo, no mesmo dia. Para mim, é melhor assim. A exigência em relação a mim é ainda maior, e a minha cobrança para com eles também é grande. Eu quero que eles tenham o que merecem. Quero poder proporcionar que os sonhos deles se realizem. Afinal, eles realizam sonhos dos outros, abrem mercados, formam plateias, há tantos anos”, conclui o ator.