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Teatro em Cena

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Leonardo Torres é jornalista cultural e mestre em Artes da Cena. Está de olho na cena teatral carioca desde 2014.

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Gentil – Por Alessandra Maestrini

30/03/2016 Colunista Convidado Opinião Papo de Artista

papo de artista logo 4

(Foto: Divulgação)

(Foto: Divulgação)

“Onde é que está escrito que eu não posso ser tudo o que eu posso ser? Porque, quando a gente pode ser, tudo o que a gente pode ser, o que a gente é, é Música.”

Abro o espetáculo “Yentl – em Concerto” com estas palavras, pois acredito ser o mais importante subtexto do conto “Yentl – The Yeshiva Boy” de Isaac Bashevis Singer e do filme musical de Barbra Streisand “Yentl”, nos quais é baseado meu espetáculo. Se formos entrar em mais detalhes, nesta história de uma menina/mulher do início do século XX que se veste de homem para fugir da ignorância imposta às mulheres judias da época, os questionamentos levantados são os mais humanos, eternos e atuais possíveis: o direito à própria identidade e à própria potencialidade, identidade de gênero, o direito à real liberdade, só possível através do acesso ao conhecimento (o direito ao conhecimento), o que é lei divina e o que é lei humana? Etc, etc, etc… (Yentl é insaciável em seus questionamentos)

Minha paixão pela obra e minha crença na compreensão da mesma são tamanhas que, para montar o espetáculo que eu gostaria, podendo (e, talvez, devendo) tocar o espectador com a profundidade e multiplicidade de temas e maneiras com que fui tocada achei imprescindível ter 1 piano e seu pianista, 1 poltrona e nada mais.

O “nada mais”, descobri ao longo da temporada, talvez seja a mais importante necessidade realmente essencial para minha missão como artista neste espetáculo. Sem mesmo ter um texto rígido ao qual seguir, mas apenas um roteiro de músicas que me permite contar a história que conheço do avesso com as palavras mais adequadas para cada sessão e vestindo uma narradora cuja persona sou eu mesma (ou seja, nua de máscaras), fico com o acesso mais livre e mais direto ao público, a mim mesma e ao momento presente. O senso de humor se torna disponível para desacordar todas as nossas defesas, permitindo assim também o transbordar mais fluido da alma e das emoções.

Seria este espetáculo então, como o nome sugere, um concerto? Ou seria um musical, já que carrega dramaturgia? Ou um stand-up, já que não segue texto rígido? É teatro, pois comporta personagens? Ou é show, já que o único trilho garantido é o da música? Seria talvez nada disto em essência, mas um ritual de religare? O mais importante para mim é a certeza de que este espetáculo “É.”

Venho de uma trajetória de grandes produções musicais, com a honra de ter protagonizado Les Misérables (Fantine), RENT (Maureen), “Aí Vem O Dilúvio” (Clementina), a única montagem mundial para teatro de “New York New York – O Musical” (Francine Evans), o clássico de Chico Buarque “Ópera do Malandro” (Lúcia) e o premiadíssimo “7 – O Musical” (Amélia), escrito para mim por Charles Möeller, Claudio Botelho e Ed Motta.

Estou absolutamente a par dos ganhos e das perdas de se trabalhar dentro de uma grande estrutura ou sem apoio externo algum onde se agarrar. Bem como dos ganhos e das perdas de estar à frente de um clássico e/ou blockbuster ou de um espetáculo inédito.

O que confirmei ao longo desses 18 anos profissionalmente nos palcos, é que o que diferencia o artista do artesão ao assinar sua obra (neste caso, performática) é o fato de que seu compromisso maior está vinculado à essência transformadora; à criatividade e não à forma.

É possível se recriar com arte, expressão e ineditismo personagens cujas roupas, palavras, gestos e marcas já foram todos mapeados e previstos, como é no caso dos blockbusters americanos exportados mundo afora. É possível também escolher ou arcar-se com a limitação de só conseguir preencher um figurino, suas marcas e partituras como um ator artesão. É possível, ainda, fazer de um personagem inédito mero retalho de obras já vistas, na busca pelo acerto sem riscos. Para se fazer arte é preciso arriscar-se. Eu tive uma professora de teatro nos Estados Unidos que costumava dizer “Em arte, vulnerabilidade é força.” Quem busca apenas seguir caminhos já traçados, não tem como criar novos trajetos. E é de fazer descobrir novos caminhos, tanto para a alma quanto para o mundo prático e palpável que se trata a missão do artista. Esta energia de criar alimenta a alma do artista e o deixa forte para lidar com as adversidades da profissão. Já quando a proposta está mais para “o show dos ursos da Disney” (máquinas fantasiadas a repetir movimentos e sons com perfeição), a mesma energia lhe é drenada e não há salário ou cachê que lhe devolva esta vida sugada pelo sujeitar-se a “anti-ser.”

O formato intimista e livre de “Yentl em Concerto” foi o que este projeto e este momento me pediram criar como sendo a minha versão deste musical sobre uma “Malala”, da literatura judaica. Existem infinitas outras maneiras, tanto fora quanto dentro dos padrões já conhecidos, de se garantir ao teatro musical sua essência artística e evitar vestir a carapuça de sua famigerada face artesanal. Yentl significa gentil, delicado; maleável. O público agradece esta gentileza de realmente encontrá-lo, esta maleabilidade da forma e esta delicadeza de estar inteiro em cada detalhe seja qual for a situação. Pressinto formatos inovadores de musicais mundo afora a rescrever nossas possibilidades. Dentro destas ou dentro de um cenário mais clássico, o mais importante é sempre que a arte do artista se mantenha VIVA e PRESENTE.

Alessandra Maestrini é atriz, cantora, compositora, tradutora, versionista, dramaturga, diretora, poetisa, ativista e produtora.

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