Após o sucesso do espetáculo “Selfie”, o ator Miguel Thiré decidiu se arriscar em cena sozinho. Como forma de dar continuidade à sua pesquisa sobre teatro físico, ele idealizou, escreveu (com o irmão Carlos Artur Thiré), montou e co-dirigiu (com Igor Angelkorte) o monólogo cômico “Os Ordinários”, na qual dá vida a cinco personagens centrais – número que não é exatamente impressionante, já que ele fazia 11 coadjuvantes em “Selfie”. O que há de diferente aqui é a dispensa total de qualquer artifício, a começar por colegas de cena. Miguel tampouco conta com cenários, figurinos, trilha sonora ou uma iluminação mais sofisticada. É apenas ele no palco (há um palco, ufa), se desdobrando para contar essa história.
Não, não é um espetáculo pós-dramático. O texto é bem definido, apesar de simplório, e é o único elemento ao qual Miguel pode se agarrar, além do seu corpo. A trama se desenrola ao longo de um dia, acompanhando cinco personagens, os ordinários, que habitam a mesma cidade e, de alguma forma, têm sua vida interligada. Há uma senhorinha briguenta que se enfeza quando chega à padaria e descobre que seus pães doces reservados foram vendidos para outra pessoa – e há o gay com TOC, que compra esses pães doces para o namorado suicida. Tem também o atendente malandro, o moleque que só faz besteira e a abelha que sobrevoa os pães doces em uma missão especial para sua colmeia.
O ator entra e sai dos personagens em um piscar de olhos, mas são todos bem delimitados, e ao público não é dada a possibilidade de confundi-los. Miguel é extremamente habilidoso e dá conta do desafio ao qual se propõe sem derrapadas. Seu trabalho corporal, a proposta da encenação, é incrível, assim como as variações de impostação de voz e emissão de ruídos para incrementação das cenas. É bonito ver tamanha competência como ator, sem cair em caricaturas habitualmente tão grosseiras quanto fáceis.
Entende-se que a direção dispense todos os elementos cênicos para realçar seu trabalho físico, mas não dá para dizer que Miguel, ou o público, perderia algo se houvesse um cenário, um figurino menos ausente de significação, ou ao menos uma iluminação criativa. Por mais que o trabalho dele como ator seja ótimo, a nulidade da montagem remete a uma produção pobre, ou a uma decisão revestida de vaidade. É como se ele pudesse estar atuando em qualquer outro lugar e, por acaso, ocorreu de ser no palco. Com isso, ao invés de um espetáculo, a impressão é a de ver uma experimentação, um work in progress – um work in progress muito bom, mas algo não finalizado. Miguel diverte e entretém, prova seu talento, e é tudo sobre isso.
Por Leonardo Torres
Pós-graduado em Jornalismo Cultural.
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SERVIÇO: ter e qua, 20h. R$ 40. Teatro Miguel Falabella – Norte Shopping – Av. Dom Hélder Câmara 5332 – Cachambi. Tel: 2597-4452.