“Mas eles tiram tudo mesmo?”. A pergunta mais feita das últimas semanas tem resposta afirmativa. Tiram, sim! Como o título diz, é “Ou Tudo Ou Nada”. Mas não vá esperando um espetáculo erótico, porque não tem nada a ver com isso. O musical, com versão de Artur Xexéo (de “Xanadu”) e direção de Tadeu Aguiar (de “Quase Normal”), é uma comédia leve sobre personagens desajustados criando uma relação de amizade em um momento de crise. Sim, crise, como a que se vive atualmente no Brasil e obriga os cidadãos a serem criativos para chegar ao fim do mês fora do vermelho. Tirar a roupa é apenas o pano de fundo para abordar esses pontos.
Na história, adaptada do filme britânico “The Full Monty” (1997), dois amigos estão deprimidos, com autoestima baixa, após meses de sobrevivência graças ao seguro-desemprego. Jerry Lukowski (Mouhamed Harfouch, de “Fazendo História”) e Dave Bukatinsky (Claudio Mendes, de “Educando Rita”) foram demitidos com o fechamento de uma siderúrgica, que empregava a maioria dos homens da cidade inespecífica onde se passa a trama. Divorciado e sem pagar a pensão do filho, Jerry está à beira de perder o direito de ver a criança. Já Dave, sem qualquer entusiasmo pela vida, pode perder a esposa, há meses sem sexo. Nesse cenário decadente, os dois veem como as mulheres ficam ensandecidas com um show de strip-tease dos Chippendales, e Jerry tem uma ideia: que tal um showzinho com homens comuns, de verdade, que elas veem na cidade diariamente? Desesperado para conseguir dinheiro para as pensões atrasadas, ele mergulha com tudo nessa ideia, e leva consigo Dave. A eles se unem o suicida Malcolm (André Dias, de “Bilac Vê Estrelas”), o bem dotado sem noção Ethan (Victor Maia, de “S’imbora, o Musical”), o metódico e inseguro Harold (Carlos Arruza, de “Se Eu Fosse Você, o Musical”) e o senhorzinho Jegue (Sérgio Menezes, de “Bilac Vê Estrelas”). O espetáculo, dividido em dois atos, consiste basicamente na preparação desse show de strip: aulas de dança e superação da timidez. Precisava de 140 minutos para isso? Não, mas esses musicais gostam, você sabe.
“Ou Tudo Ou Nada” estreou na Broadway no ano 2000, e foi indicado a nove Tony Awards (sem vencer nenhum). Já houve montagens em mais de 20 países, e essa é a primeira vez no Brasil. Escrita por Terrence McNally, a história mostra como o desemprego afeta as emoções e relações das pessoas e, como um novelão, como uma superação pessoal também afeta seu entorno. O mais interessante são as músicas de David Yasbek, com letras engraçadíssimas! O número em que Jerry e Dave encontram Malcolm tentando se matar é hilário, com uma composição de humor negro. As partes mais emotivas, como o velório da mãe de Malcolm, também são boas. Uma pena que o canto do elenco seja tão desnivelado. A direção musical de Miguel Briamonte (de “Cats”) e os sete músicos da peça não diminuem o abismo que há entre uma Kakau Gomes (de “Beatles Num Céu de Diamantes”) e a estrela de novelas Patrícia França, que compensa na interpretação. No canto, destacam-se Kakau, André Dias (visivelmente mais magro para o papel) e Victor Maia, com bons momentos. Mouhamed e Claudio são esforçados – e formam uma dupla dinâmica divertida. Também conquista pelo carisma Sylvia Massari (de “Sim, Eu Aceito! – O Musical do Casamento”), que entrou no elenco na reta final dos ensaios, substituindo Rogéria. Ela interpreta a pianista doidinha que acompanha os homens ordinários em seus ensaios. O pequeno Xande Valois, filho de Jerry, também surpreende pela qualidade de sua interpretação.
Em termos de estrutura, o espetáculo da Estamos Aqui Produções supera em bom gosto outros musicais recentes, até, ou principalmente, de maior porte. Assim que as cortinas se abrem, o cenário de Edward Monteiro impressiona, e o espectador ainda nem descobriu toda sua funcionalidade. A estrutura fixa vira, desvira e se transforma com a entrada de outros elementos, que podem ser um carro, uma cama de casal ou toda uma sala de estar. É, sem dúvida, um ponto alto. Os figurinos de Ney Madeira e Dani Vidal acentuam os traços trash de personalidade dos personagens, com características kitsch. A iluminação David Bosboom é adequadamente simples.
A nudez frontal anunciada, que gera tanto burburinho, é deixada para o último momento – como um clímax, e é engraçado perceber como toda a plateia está mesmo nessa expectativa. Ela acontece justamente quando os personagens realizam o show de strip-tease e têm seu momento de redenção pessoal. Mas é extremamente rápida, e não dá para “conferir” todos os atores, se essa for sua intenção. O bumbum do Victor Maia, no entanto, é exibido com exaustão: você vai sair do teatro íntimo dele. Brincadeiras à parte, isso tudo serve para dizer que esse é o espírito da comédia musical: leve e descontraída.
Por Leonardo Torres
Pós-graduado em Jornalismo Cultural.
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SERVIÇO: qui e sex, 21h; sáb, 18h e 21h30; dom, 19h. R$ 50 a R$ 150. 140 min. Classificação: 10 anos. De 10 de outubro até 20 de dezembro. Theatro Net Rio – Rua Siqueira Campos, 143, 2º piso – Copacabana. Tel: 2147-8060.