Heteronormatividade não é sinônimo de heterossexualidade, mas tem a ver. Segundo o pesquisador Leandro Colling, autor de vários artigos sobre a representação LGBT na mídia, homossexuais também reproduzem a heteronormatividade. Esse conceito trata da consideração geral das relações heterossexuais como norma, deixando todas as outras expressões como desvios dessa norma. O descasamento entre órgão sexual e o gênero, caso das pessoas trans, seria portanto um desvio dessa heteronormatividade, que vem sendo cada vez mais refletida, questionada e discutida. A heteronormatividade é o que diz que rosa é cor de menina e que bola é brinquedo de menino. É também o que torna mais fácil a aceitação de um gay masculinizado, casado com outro homem e com filhos adotados, do que… um performer vestido de princesa e questionando esses padrões culturais. É o que faz gays repetirem que algo ou alguém é “gay demais”.
– “Sonho Alterosa” é um elogio ao corpo efeminado, a bicha lacrativa, que da e vai continuar dando close por aí. Close na imagem, close na linguagem, no tempo e no espaço. O projeto é de afirmação da diferença na luta por um processo de transformação do social que reconheça o outro como parte integrante da formação de si. – Caio Riscado, também diretor da peça, diz ao Teatro em Cena. – A história é a mesma já contada por muitos. Da proibição de determinadas atividades ditas de menina e do cerceamento da liberdade e desejo. A princesa é um dispositivo, um imaginário escolhido para detonar as questões apresentadas pelo espetáculo – algumas oriundas da minha história pessoal e outras não.
Influenciado pela Cinderela, a Branca de Neve, a Bela Adormecida e a Bela da Fera, Caio um dia sonhou que queria ser uma princesa, e logo o mundo lhe mostrou a impossibilidade: “meninos não são princesas”. Por isso, o espetáculo faz as pazes com seu sonho infantil. “Ser uma princesa hoje é tão importante quanto ser uma pessoa qualquer. Trata-se de erguer castelos internos, lutar pela riqueza de imaginário e defender os diferentes modos de ser e estar no mundo”. O universo da Disney, que moldou seu sonho de menino, também é questionado a partir dos valores morais e sociais transmitidos por suas histórias – em suma, heteronormativas.
O ator é doutorando em performance na UNIRIO e desenvolve pesquisa sobre a apropriação cênica dos conceitos da teoria queer. “Sonho Alterosa” nasceu dessa pesquisa acadêmica, iniciada no mestrado. Em seu discurso, Riscado cita Deleuze, Guattari e Foucault. Criador do grupo MIÚDA, ele já investiga esse tema da heteronormatividade há anos. Em outro trabalho, a performance audiovisual “Manoelcarlismos”, propôs um olhar sobre a representação dos personagens “sexodiversos” na TV, o que vai ao encontro da performance atual, tratando dos contos de fadas disseminados pela Disney.
“Manoelcarlismos” está disponível na Internet:
Questionado sobre transformações sociais recentes, como a entrada do “beijo gay” nas novelas e a vinculação de um comercial da Barbie com um menino, Caio revela seu olhar crítico. Segundo ele, deve-se ressaltar que as conquistas são todas do movimento de luta pelos direitos LGBTQ. A indústria de entretenimento estaria apenas seguindo uma tendência mercadológica, ao identificar um nicho de consumo.
– Depois de tantas lutas e conquistas, quando a sociedade passa a ter uma aceitação um pouco melhor das questões LGBTQ, por exemplo, o mercado apenas se aproveita disso. Duvido que a empresa que fabricou a Barbie para meninos faria isso há 30 anos atrás. Mas é óbvio também que é importante ter uma Barbie para meninos, é simbólico e político, mas vejo isso como mais um reflexo das conquistas do movimento. O estado de vigília quanto a essas questões deve ser constante, para que não nos deixemos ser fagocitados por interesses que estão no lado contrário da nossa luta.
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SERVIÇO: sáb a seg, 20h. Entrada franca. Classificação: 18 anos. Até 14 de dezembro. Reduto – Rua Conde de Irajá, 90 – Botafogo. Tel: 3797-0100.